SEI QUE É DIFÍCIL, QUERIDA

Ariel
2 min readJan 5, 2022

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Foto de RODNAE Productions de Pexels

"Ao brilhar um relâmpago nascemos, dura inda seu fulgor quando morremos:
tão curto é o viver!" — Gustavo Adolfo Bécquer

Hoje é mais um dia sem a sua sombra próxima a minha. Escuto portas se fechando a todo momento: são nossas possibilidades indo embora junto com a sua vida. A perda é um frenesi.

Os dias são acidentados. A saudade nunca faz a baliza perfeita dentro de nós e sempre bate onde o coração está estacionado. Ninguém sabe ao certo de quanto espaço ela precisa, talvez ultrapasse a nossa capacidade interior.

E qual é o tempo da saudade? Talvez seja o único que não passa. Noto olhares impacientes, como se eu tivesse perdido a hora do transporte que me levaria para longe desse sentimento. Já deu tempo de esquecer isso, de seguir em frente. Sempre tentamos impor tempos para os outros e para nós mesmos. Não raro, essas imposições são desrespeitosas. O que faço nesse mundo que não entendo?

A dor fisga qualquer pensamento que não seja sobre ela mesma. Você ornava a minha vida com a sua alegria, trazia cores chamativas para contrastar com as opacas que me compunham.

“Onde quer que eu vá/O que quer que eu faça/Sem você, não tem graça” — Capital Inicial

Costumávamos apontar um para o outro quando a música chegava nessa parte, os acústicos da MTV eram a trilha sonora das nossas viagens de carro. Agora não mais. Agora ouço palavras impeneráveis, vejo as expressões das pessoas e sei que estão tentando me confortar, mas é inescapável: o luto é uma onda forte, barulhenta, e me derruba. Não entendo ninguém direito. Desmoronar, desmoronar, desmoronar, desmoronar. Não quero parecer ser forte. Não quero um mundo em que você não esteja.

Drummond dizia que de tudo fica um pouco, talvez a ânsia de te esperar chegar quando dá quatro horas permaneça sempre comigo. Ficamos um pouco ou muito uns nos outros também. Não há quem me olhe sem saber que existiu você.

Uso um cobertor curto para dormir, isso te preocuparia. A vida é assim desde a sua partida: um cobertor curto no qual tento me acomodar. Não funciona. Nada me tira desse estado suspenso. Coloco nossos porta-retratos juntos, numa desesperada tentativa de proximidade. Tudo o que eu queria agora é ficar perto de você. Pode ser em silêncio, pode ser até nos lugares que você gostava de ir e eu não.

De tudo, de todos fica um pouco. De você ficou muito em mim. Você sussurra nos meus sonhos: ‘’sei que é difícil, querida’’ e me toma nos braços. O que eu faço nesse mundo que não entendo?

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