NOSSAS VIDAS SÃO CALÇADAS

Ariel
2 min readAug 14, 2022

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Photo by Elijah O’Donnell from Pexels

“A minha vida e a tua/São como as calçadas da rua/Seguem no mesmo sentido/Mas completamente cortadas pelas ruas.”

Quase todos tinham a mesma impressão ao ver a jovem tentando atravessar a rua movimentada: só podia estar querendo ser atropelada, queria morrer, era suicida. Eu sabia que ela queria muito viver e estar na vida de alguém, por isso se arriscava, era a única maneira.

Quantas coisas nós não fazemos para tentar caber na vida das pessoas. Não havia semáforo. O trânsito era ininterrupto. Não havia tranquilidade. A rua era muito larga. Só eu entendia o porquê dela permanecer tentando fazer a travessia. Dia após dia, os motoristas que acompanhavam o difícil percurso da moça, se perguntavam se o que havia do outro lado valia o risco.

Valia sim, mas nós bem sabemos, e ela também sabia, que isso não basta. Assim como os sentimentos não bastam para manter pessoas juntas e fazer as coisas funcionarem. Às vezes a buzina de algum carro tirava a moça do torpor. Era quando ela questionava a própria insistência e não encontrava resposta exata para continuar no cruzamento.

O coração tem mesmo razões que a própria razão desconhece. Mas ela era alguém que tentava encaixar a peça do quebra-cabeça mesmo depois de ter percebido não ser ali o lugar dela. Tentava vestir roupas largas demais ou apertadas demais. Ela queria caber, fazer parte. Queria não se sentir tão sozinha no mundo, e querer isso pode nos levar a situações desconfortáveis e desoladoras. Ela não queria mais a sensação de desencaixe, deslocamento.

Dá para ver pessoas do outro lado, do lado que ela gostaria de estar. Caminham livremente, pelo tempo que quiserem, no próprio ritmo. De cá, tudo é agito, e a jovem nunca gostou da agitação do mundo. Ela desrespeita a própria personalidade para tentar atravessar a rua. Quantas vezes a nossa individualidade não é atropelada por tentarmos seguir o ritmo dos outros?

Penso em gritar que ela não precisa fazer isso. Eu entendo. Entendo ela querer continuar, os dois são parecidos e em muitos assuntos seguem no mesmo sentido, mas ninguém deveria precisar passar por um caminho tão desasosegado e incerto. As vidas de algumas pessoas são como retas paralelas, não se cruzam pelos mais diversos motivos, e apesar de ser doloroso aceitar a imposibilidade quando há tanta identificação, esse é o caminho com menos obstáculos e sofrimentos.

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