LEMBRE DE OLHAR AO REDOR

Ariel
3 min readSep 27, 2022

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Photo by Yulia Polyakova

Tarde triste me recorda outros tempos
Que saudade… Que saudade…
Vivo só num turbilhão de pensamentos
De saudade… De saudade…

Manuela repassava versos de ‘’Tarde Triste’’ na cabeça enquanto sua recém-terminada palestra era aplaudida com fervor pelo público. Queria ouvir Nana Caymmi. Mais uma apresentação, esse mês já perdeu a conta de quantas foram e quantas mais estão por vir. O caminho de volta aos hotéis a deixava reflexiva, sentia falta da vida de antes. Não ousava dizer em voz alta a saudade do passado e da vida sem os holofotes, afinal, para a maioria das pessoas ela tinha tudo: reconhecimento, admiração, oportunidades maravilhosas de estar em lugares e conhecer pessoas importantes. Além do fato - sempre ressaltado pelos outros - de ter conquistado tanto ainda jovem. Nem antes de ter essas coisas ela achava que isso era tudo. Nunca ficou vislumbrada com nada proporcionado ou inflado pela fama.

A fama é traiçoeira, deixa a gente desconfiado das razões por trás de qualquer aproximação das pessoas. Ficamos expostos demais, é mais gente vendo os nossos erros e opinando sobre quem elas acham que nós somos. Só havia dois pontos positivos em estar numa posição de destaque assim: os sorrisos que observava na plateia conforme falava e as possibilidades de ajudar as pessoas com a sua influência. Ela fazia isso acontecer com seu esforço e sensibilidade, que coisa reconfortante. No fim da noite, quando se jogava na cama e podia escutar suas músicas, tudo valia a pena. Aí vinha a saudade, que não quer saber o que vale a pena no presente, mas o que valia a pena no passado e não temos mais. Quando a saudade bate forte, a relevância, a grandeza da posição que ocupamos não significa nada. Todo mundo é pequeno e, principalmente, frágil.

Eu não tô aqui pra sofrer
Vou sentir saudade pra quê?
Quero ser feliz
Bye, bye tristeza não precisa voltar

Era o maior quarto do hotel e não havia lugar que não estivesse ocupado, arrebatado pela saudade. ‘’Peninha estava errado, saudade não é bom. Alexa, toca Bye Bye Tristeza’’. A relação de Manuela com a saudade tinha suas horas ruins, de revolta, de total desentendimento d’uma com a outra. Nesses momentos de desorientação a jovem tentava acreditar que as pessoas estavam certas: ela tinha tudo para se sentir feliz. Foi tão difícil chegar ali, até àquele patamar, precisou abrir mão de tanta coisa, foram horas incontáveis de dedicação para conquistar espaço e pessoas dispostas a ouvir as suas palavras. Pena que nesse longo caminho ela deixou de se ouvir. Você vai sentir saudade, Manuela, para entender que nem todos os fins justificam os meios. A sua saudade é um sintoma do exagero da obsessão. Queria tanto conquistar ouvidos atentos que esqueceu de ouvir as pessoas ao seu redor pedindo a sua presença, e elas se foram, Manuela. Você sabe o que é realmente importante, Manuela, e não se deixou levar pelo mundo de ego e vaidade da fama, mas deixou de se ouvir.

É sempre trágico quando deixamos de nos ouvir. Manuela tem muita sorte, para ela ainda há tempo de recuperar algumas coisas e pessoas que estão em sua saudade. No caminho dos nossos objetivos, não pode faltar tempo para refletir, e então considerar ou reconsiderar caminhos e prioridades. Espaços precisam existir sempre, pra gente conseguir pensar com mais abrangência, pra gente não confundir quem somos com as metas que temos. No meio dessas metas têm vida a viver. Você passou por um período de muita inflexibilidade, Manuela, alguma rigidez é importante para certas conquistas se concretizarem, mas não se habitue a isso. Foque, olhe para o que almeja, mas não deixe de olhar ao redor também. Lembre de olhar quem olha você. Lembre de se desarmar de vez em quando.

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