Um texto sobre encontros marcantes

Ariel
3 min readMay 27, 2020

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O escritor português José Saramago, a princípio, não me cativou por suas obras literárias, mas pela maneira como falou de sua esposa, Pilar del Río, no documentário ‘’José e Pilar’’. A importância e singularidade do encontro com Pilar foi maximizada através dessa fala de Saramago:

Tenho muitas razões para pensar, por exemplo, que o grande acontecimento da minha vida foi exatamente esse. Foi ter conhecido a ela. (…) Imagina que eu não tivesse conhecido ela. Você poderia dizer: “Ah, mas você teria conhecido outras mulheres” Mas não é disso que se trata, não é uma questão quantitativa. Era simplesmente o fato de ter conhecido a ela. Nada mais. E isso mudou a minha vida completamente.

A característica mais específica de um encontro marcante foi dita pelo escritor: não é uma questão quantitativa. Nós conhecemos muitas pessoas ao longo da vida, mas nos conectamos verdadeiramente com poucas, já dizia Celine no filme Antes do Pôr do Sol (2004). Somos cheios de gentes, mas elas não nos preenchem na mesma intensidade.

“Acho que, quando você é jovem, acredita que conhecerá muitas pessoas com quem se conectará, mas, mais tarde, perceberá que isso acontece apenas algumas vezes.’’

Pilar não era apenas companheira de vida do Saramago, mas primeira leitora, revisora e tradutora dos livros dele. Ao longo do documentário, em nenhum momento percebemos Pilar como alguém que fica na sombra do marido, um escritor renomado. Musa é pouco e não faz jus à mulher admirável e de personalidade firme que ela é. O reconhecimento demonstrado por seu parceiro apenas reforça as qualidades dela como indivíduo.

O encontro, contudo, tardou a acontecer, Saramago tinha 63 anos quando o ‘’grande acontecimento’’ de sua vida chegou. Eles foram mal vistos por causa da diferença de idade, mas o que é isso diante das possibilidades que só o amor traz a tona? Só a morte separou os dois depois que eles se encontraram. A vida já tardou o encontro em 28 anos, imagine só se eles não tivessem permanecido juntos no resto de vida que restava ao Saramago?

“Ela nasceu em 1950 e eu em 1922. Tenho uma sensação esquisita quando penso que houve um tempo em que eu já estava aqui e ela não. É estranho pra mim entender que foi preciso passar 28 anos desde o meu nascimento para que chegasse a pessoa que seria imprescindível em minha vida… Quando a conheci, eu tinha 63 anos, era um homem já velho. Ela tinha 36 anos. Os amigos me diziam: “Isso é uma loucura, um disparate! Com essa diferença de idade.” E eu sabia, mas não me incomodava. Agora não posso conceber nada se Pilar não existisse. Quando ela não está, a casa se apaga. E quando volta, se reativa”

Saramago sabia que se importar com os comentários a respeito disso era um desperdício de possibilidades.

‘’Se eu tivesse morrido antes de conhecer a Pilar, tinha morrido muito mais velho do que aquilo que sou.”

Os dois se conectaram tão bem porque ambos eram inquietos, desassossegados. Não paravam de trabalhar e fazer coisas, porque segundo Pilar, teriam toda a eternidade para descansar e aquela era a vida, eles tinham que agir. Eles agiam contra o tempo na tentativa de explorar ao máximo todas as suas possibilidades juntos.

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