Às vezes calço seus sapatos. Meus passos são suaves porque toco a sua dor, que também é a minha. Trazemos no peito as feridas das batalhas que evitamos. A contenda de emoções pode nos deixar rígidos demais. Seus sapatos machucam os meus calcanhares.
O peito carregado de mágoas vocifera contra quem não tem culpa pelo nosso estado. Somos injustos o tempo todo, e principalmente com pessoas próximas. A paciência é uma forma cotidiana de amor, mas nos esquecemos disso. Esquecemos muitas coisas realmente importantes por conta da correria do dia a dia.
Você diz que sua mágoa é um carro que capotou há tempos. Chame o guincho. Chame alguém para ajudar a tirar esse obstáculo do trajeto da sua vida. Abrir caminho, seguir em frente não é fácil, eu sei, faz parte do processo de cura querer ser curado, mas é especialmente difícil quando a cura pressupõe deixar alguém que amamos para trás.
Continuar mesmo sofrendo e infeliz, porque é menos dolorido do que enfrentar a cerimônia de perdas. Nunca é apenas se despedir de alguém, mas a vida imaginada juntos também diz adeus. Talvez a nossa maior segurança resida no que podemos ser ao lado de alguém, a dor pela possibilidade da perda nesses casos é lancinante, desorientadora. O tipo de dor que nos torna incapazes de conceber qualquer futuro.
Não faça como o Djavan, se perguntarem se você quer outra vida depois de tantos dias de solidão: diga que sim. Uma vida sem procurar nos escombros. Uma vida sem implorar para ser olhado com carinho. Uma vida sem tanto desamparo. Nenhum sentimento é final, e se cicatrizes são para os vivos, podemos continuar esperançosos mesmo profundamente machucados. Quem não se esquiva das batalhas é capaz de costurar as próprias feridas.
