A VIDA NÃO É MAIS UM VENDAVAL

Ariel
2 min readOct 23, 2022

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Photo by Harrison Haines

‘’Eu sei que flores existiram/Mas que não resistiram/A vendavais constantes/Eu sei que as cicatrizes falam’’ (Fera Ferida).

Natália amava alguém cuja vida foi repleta de desassossego. Apesar de dizer, afável, e quantas vezes fosse necessário, que o mundo não estaria de ponta-cabeça quando ele acordasse, Caio ainda não acreditava. Essa fase da vida inconstante acabou, mas a desorientação, a insegurança e o desalento causado, não. Fincado, cravado em Caio estão as lembranças dos momentos em que não havia lugar para onde correr a não ser para dentro de si. Nem sempre o nosso interior é um bom abrigo. O dele era cheio de afabilidade moída e pisada.

É difícil acreditar em solidez depois de experienciar tantos anos de circunstâncias movediças. Várias reações dele são respostas ao medo, às intranquilidades. Claro que viver assim nos deixa excessivamente desconfiados, assustados com o afeto, reativos, prontos para abandonar. Ele estava sempre pronto para abandonar Natália porque só tinha conhecido o abandono, quando as coisas apertavam iam embora dele, e assim Caio se mostrava pronto para fazer também.

Natália sabe que amar é decidir. Amar é se deixar tocar pelas mágoas e dores do outro. Decidiu amar Caio sem contrapartida. De relance, dava para enxergar a faceta amorosa de Caio, logo escondida porque fragilidade nas condições da vida prévia dele não podia ser demonstrada. Tudo ao redor era incerto, gritado. Tons de voz serenos assustavam Cai mais do que berros. Ele tinha medo de tropeçar. Olhava ao redor procurando armadilhas, elas vão aparecer, elas sempre aparecem. Enxergava a vida como um front de guerra, quem o atacava eram as pessoas que deveriam o proteger e fortalecer.

Como acolher o amor, a vontade de permanecer, a constância de Natália depois de tudo isso? Como se sentir seguro para derrubar muros e fechar fronteiras quando os ataques não tinham hora para começar? Não houve baixa temporada no sofrimento de Caio. O fluxo era virulento e destroçador sempre. Às vezes, nas nossas relações, lutamos sozinhos. Natália lutava sozinha para conseguir demonstrar a firmeza de seus sentimentos. Aquele amor estava fincado em terra firme e Caio seria levado até lá, em um lento trajeto. Não reconheceria o ambiente, nunca teve isso, mas haverá um progresso na sensibilidade dele que só o amor, o esforço genuíno de ajudar a pessoa amada, consegue mobilizar.

Caio vai conseguir se tornar capaz de conceber horizontes sem destruições e armadilhas à vista. Do desordenado ao ordenado, a paciência. O reânimo dos combalidos, dos alquebrados, dos desesperançosos pode residir em alguma persistência, talvez a do amor.

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